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terça-feira, 24 de abril de 2012

Internalize Já!

Este blog já defendeu inúmeras vezes a ladainha de que empresas sustentáveis tem melhores resultados em seus negócios, tentando apresentar os melhores dados para embasar essa afirmação. Já falamos em como as práticas de sustentabilidade podem reduzir custos, aumentar a inovação e trazer toda sorte de efeitos positivos para as corporações. Lindo. Há cabeças mais críticas, porém, nas quais se forma uma dúvida incômoda: "Ei, ações sociais e ambientais de empresas não são algo exatamente novo. Se o benefício é assim tão grande, como isso já não ficou claro há muito tempo atrás?!". A inquietação procede, e merece uma análise mais cuidadosa.



Há inúmeros motivos que ajudam a explicar o problema, como por exemplo o fato de que, para serem de fato efetivas para o negócio, as ações socioambientais precisam ser pensadas como parte integrante da estratégia, e não como um apêndice do escopo da companhia. Porém, um dos meus fatores preferidos, e aquele que julgo ser um dos mais negligenciados nas análises, é a questão das externalidades.

Externalidade é, em economia, segundo o onipresente Introdução à Economia, de Gregory Mankiw, é "o impacto ao bem-estar de uma terceira pessoa" - é o efeito de alguma atividade econômica sobre outros que não fazem parte da dita atividade ou transação, e pelo qual o agente causador não paga nem recebe nenhuma recompensa. As externalidades podem ser negativas (como quando uma empresa polui um rio, e essa poluição mata os peixes, afetando a vida de quem dependia da pesca) ou positivas (como a difusão de tecnologia gerada pelo sistema de patentes, que torna qualquer nova tecnologia disponível a todos depois de um certo número de anos). E um dos grandes problemas da análise da sustentabilidade são as tais das externalidades.

As externalidades fazem com que muitos efeitos das atividades econômicas não sejam calculados nos custos assumidos pelos agentes dessas atividades. Tomando como exemplo o post "Quanto Custa a Fumaça?", do excelente blog  do Denis Russo (não mais ativo, mas ainda excelente - vale a pena dar uma fuçada), quanto realmente custa a poluição dos automóveis de São Paulo? Calcula-se que um paulistano perca em média um ano de vida pelos problemas de saúde decorrentes dessa poluição - se considerarmos 12 milhões de pessoas na cidade, perdemos 12 milhões de "anos-homem" por conta dela. Se calcularmos a produção perdida desses 12 milhões de anos-homem usando o PIB per capita, temos um prejuízo (puramente econômico) de 9 bilhões de reais causados pela atividade automobilística e não compensados por ela. Para internalizar essa externalidade, esses 9 blhões deveriam estar no custo das montadoras/petrolíferas, e consequentemente refletidos nos preços dos automóveis e combustíveis.

Sim, seu carro e sua gasolina seriam bem mais caros. Mas não se trata aqui de criar um novo custo para o consumidor - o custo já existe, mas quem paga a conta hoje é toda a sociedade, e não os responsáveis por esse efeito indesejado (quem faz o carro e quem usa o carro). Produtos nocivos como o cigarro também seriam dramaticamente mais caros do que são hoje. Internalizar externalidades ajuda a resolver o próprio problema - com carros mais caros, menos pessoas estariam dispostas a incorrer nesse custo, menos pessoas usariam carros, menos poluição seria emitida e menos pessoas sofreriam com os problemas de saúde associados a essa poluição. E a sociedade teria de arrumar uma solução mais inteligente e justa para o problema do transporte.

Outro problema das externalidades é que elas são complicadas de se medir com precisão, e muitas vezes precisam ser analisadas no longo prazo antes que as percebamos. Por quanto tempo a humanidade despejou bilhões e bilhões de toneladas de carbono na atmosfera antes que entendêssemos que tanto carbono poderia causar o aquecimento global?

O que nos leva de volta à questão inicial do post: as externalidades dificultam a comparação entre empresas e produtos sustentáveis com seus pares menos sustentáveis. Empresas que poluem não pagam mais por isso. Empresas que possuem extensas iniciativas de reciclagem ou educação não são recompensadas por esse benefício. Se as externalidades fossem internalizadas, os custos reais de longo prazo apareceriam, e a diferença entre adotar práticas sustentáveis e não adotá-las saltaria aos olhos de todos. Um distorção causada pelas externalidades é a de que muitas vezes as pessoas precisam pagar mais para terem produtos ou serviços mais sustentáveis, quando na verdade deveriam pagar menos - se todos os custos envolvidos nas atividades menos sustentáveis estivessem refletidos nos preços.

O caminho para a internalização das externalidades passa em grande parte pelo governo, acordos setoriais e entidades de autorregulamentação. Isso porque qualquer empresa que decida iniciar sozinha esse movimento provavelmente incorrerá em custos que inviabilizarão sua competitividade. Classicamente, a melhor solução para externalidades é estabelecer um mercado. O mercado de créditos de carbono, se bem implementado, é uma iniciativa inteligente que busca justamente solucionar a externalidade da emissão de gases de efeito estufa, uma vez que quem emite mais tem que pagar mais, e quem emite menos pode vender créditos, alocando perfeitamente os custos entre os responsáveis. A internalização é sem dúvida uma caminho que precisa receber muito mais atenção se queremos chegar mais rápido a uma economia sustentável.

Internalize já!

Um comentário:

  1. Excelente texto Jorge, Internalize já!!!
    Você conhece o movimento do Capitalismo Consciente? Se não, vale a pena conferir: consciouscapitalism.org/

    Abs
    Ricardo Geromel

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