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segunda-feira, 14 de maio de 2012

ISP: filantropia ou sustentabilidade?

Esta semana vamos tratar de um dos assuntos mais polêmicos relacionados à sustentabilidade nas empresas: o Investimento Social Privado (ISP). A maior parte das grandes corporações possui pelo menos uma forma de ISP: patrocínios a eventos culturais e esportivos, projetos educacionais, capacitação profissional, programas de voluntariado e toda sorte de doações em dinheiro ou parcerias com ONGs e iniciativas de preservação ambiental, educação e outras formas de desenvolvimento social. No meio de tanta coisa classificada como ISP, o que é marketing, o que é filantropia e o que são iniciativas que efetivamente contribuem para a sustentabilidade da empresa?

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Diálogo: "Gastamos tudo em outdoors"


Antes de entrar no mérito da questão, gostaria de deixar duas coisas bem claras:

1- Não há julgamento de valor neste texto: iniciativas com fins de marketing (desde que não enganosas), ações filantrópicas ou práticas de sustentabilidade são todas formas de atuação legítimas das empresas ao se relacionar com seus stakeholders. Este blog, porém, trata de sustentabilidade nos negócios e de sua efetividade, então é importante estabelecer essas diferenças;

2- Por razões várias, é muito comum nas corporações que a governança de todas as iniciativas deste tipo seja centralizada em uma única área (de Sustentabilidade, Responsabilidade Social, Meio Ambiente, Assuntos Institucionais, seja o que for). Este tipo de agrupamento não prejudica em nada as ações, a estratégia ou os resultados - é importante, porém, que a liderança da empresa tenha consciência do que quer com cada ação, e não confunda alhos com bugalhos.

O primeiro passo é separar no bolo o que são ações apenas para ganhos reputacionais pontuais ou assistencialismo, e o que é é ISP sério. O GIFE, umas das organizações mais respeitadas no tema, possui uma ótima definição: ISP é "o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público" e caracteriza-se por: (a) preocupação com planejamento, monitoramento e avaliação dos projetos; (b) estratégia voltada para resultados sustentáveis de impacto e transformação social; (c) envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação.

Ótimo. E para tentar discernir o que pode ser considerado "sustentabilidade" dentro disso, é também necessário voltar ao básico: sustentabilidade do que? É essencial perceber que as ações de sustentabilidade corporativa se preocupam com a sustentabilidade da empresa, ou seja, daquela atividade econômica - e não do planeta, da natureza, das comunidades, dos pobres, das árvores ou do mico-leão-dourado.

Antes que me crucifiquem: é lógico que todas essas coisas são infinitamente importantes e também afetam a empresa - uma das minhas frases preferidas é a do Fábio Barbosa, atual presidente do Grupo Abril e ex-Banco Real/Santander: "não dá pra ir bem num mundo que vai mal". No entanto, a distinção entre "investir em um mundo melhor" (filantropia) e "ser uma engrenagem de uma economia sustentável a longo prazo" (sustentabilidade) é justamente o que quero fazer aqui. Em outras palavras: dar dinheiro para salvar as baleias é ótimo para as baleias, para o ecossistema, e para a humanidade - e deve ser feito sempre que possível -, mas não vai tornar o seu negócio mais sustentável, levando em conta os impactos que sua operação tem na economia, no ambiente e na sociedade.

É exatamente este olhar que devemos ter ao julgar as ações de ISP das empresas pela lente de sustentabilidade: esta ação reduz os impactos negativos ou potencializa os impactos positivos dessa atividade econômica, para a empresa e para a sociedade e ambiente que ela afeta? Sob essa ótica, doar dinheiro para escolas pode ser uma ótima ação de filantropia. Investir no desenvolvimento de um curso de capacitação profissional na cidade onde sua empresa possui uma fábrica, porém, pode ser uma ação com excelente impacto social (queda no desemprego, melhora na educação, etc.) e ainda garantir que seu negócio terá mão-de-obra qualificada para contratar naquela localidade no futuro (efetivamente diminuindo seu risco e seus custos a longo prazo). É bom para todos, e uma verdadeira iniciativa sustentável.

De acordo com a mesma análise, uma ação pode ser filantrópica para uma empresa, e sustentável para outra, dependendo de seus impactos e estratégias. O pilar social tende a ser o mais negligenciado mesmo entre as empresas com estratégias sérias de sustentabilidade, simplesmente porque é muito mais fácil medir os impactos de suas operações no meio ambiente, e assim planejar o que fazer a respeito. Por isso, os esforços sociais das empresas tem de estar intimamente ligados à sua materialidade, um tema do qual já tratamos aqui.

Por fim, essas definições também são extremamente úteis para desmistificar a área e os profissionais de Sustentabilidade, frequentemente vistos como os "ambientalistas" ou "a área das pessoas boazinhas" das empresas. Da próxima vez que vir um, pense em como o trabalho dele está contribuindo para o seu salário!

Um comentário:

  1. Jorge, excelente post. Parabéns. Esse tema é extremamente relevante e acredito ser um dos milestones da discussão de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade. Gostaria de conversar contigo futuramente sobre uma iniciativa que estamos criando nessa área.

    Grande Abraço!

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